Calle Soriano

“Último domicilio conocido”, de Omar Prego Gadea (e breve passeio pelas livrarias montevideanas)

Posted in Sem categoria by iurimuller on 4 de agosto de 2017

De Omar Prego Gadea havia lido apenas um conto, presente na antologia Relatos de Montevideo, da editora Cántaro. O conto se chama “Función nocturna” e, entre os que eram novos para mim na publicação, foi o que causou o mais interessante efeito: era, como indica quem sabe o título, um relato sombrio, de alusões e poucas referências sólidas, de um encontro que se dá e se perde nas ruas de Montevideo, com os vultos da ditadura à espreita e complicados os trajetos e deslocamentos. A noite se fecha, alguém se perde no caminho entre dois bares, os endereços não correspondem com as indicações prévias: o relato cresce e acentua a angústia.

Há poucos dias, de volta a Montevideo e ao trabalho de pesquisar livros usados nas livrarias da capital uruguaia, lembrei de Prego Gadea que, até então, havia se limitado, na minha leitura, àquele único texto. E recordei o autor no local mais indicado para que isso acontecesse, no sentido de encontrar novas referências e edições: estava na livraria Linardi y Risso, situada na rua Juan Carlos Gómez, quase na Plaza Matriz, já na Ciudad Vieja. Ali, na livraria que também funciona como editora e espaço de leitura, não só se encontrará o, creio, mais rico acervo de literatura uruguaia à venda na cidade como se aprenderá algo mais sobre os títulos, os autores, o que pode ser buscado e o que se esgotou, sobre a história e o pensamento construído no Uruguai.

Se é verdade que o próprio bairro mostra ao caminhante livrarias interessantíssimas (destaco a La Lupa, na rua Bacacay, a poucos metros do Teatro Solís, e a enorme Puro Verso da peatonal Sarandí) e em outras regiões da cidade também há fartura (como os sebos da rua Tristán Narvaja, casos de Babilonia e Rayuela), há algo distinto na Linardi y Risso – que pode ser, quem sabe, a presença na vitrine de primeiras edições de autores como Onetti, igualmente à venda, o tempo que se dá ao curioso que pretender esgotar com os olhos quase todas as estantes, a presença de uma variedade, no catálogo, que em nenhum momento se derrama no aleatório. Entre os livros de Prego Gadea presentes, comprei, por poucos pesos, o volume de contos Los dientes del viento (de 1969; ainda por ler) e a novela Último domicilio conocido, que aqui comento.

Publicada em 1990, a novela guarda semelhanças com o conto citado anteriormente: entre as questões temáticas, estão o exílio, elementos que se aproximam da narrativa policial, a incerteza, a alusão e a dúvida como chaves para se levar a narrativa adiante. Também está a cidade de Montevideo, aqui um espaço que oscila entre as passagens abertas, diurnas, que se mostram por inteiro ao leitor, e uma cidade novamente noturna, voltada sobre si mesma, que não termina de se apresentar de todo. O enredo se move entre dois crimes (um assassinato e um a assalto a banco) que, quando se aproximam, formam uma intrincada rede de possibilidades políticas (para se entender, ou tentar entender, o ocorrido, sempre em contato com as amargas recordações da ditadura militar e dos anos que a anunciavam) e literárias (já que a feitura da novela é marcada por artifícios que tocam o tempo e o estilo, numa prosa que nunca aceita a linearidade).

A epígrafe do livro, que reproduz uma passagem do francês Alain Robbe-Grillet, escritor vinculado ao nouveau roman, ajuda a compreender o intento do autor, que havia retornado do exílio francês ao Uruguai no final dos anos 1980: narrar desde distintos olhares, de diferentes ângulos e mesmo de múltiplos momentos, no tempo, uma pequena porção de acontecimentos, em repetições nunca exatas. Omar Prego Gadea, aqui, não se importa com a dúvida; quase se pode dizer que a deseja – escolha que confunde, inclusive, a intenção de certos capítulos. E o espaço por onde se movem os personagens (Carlos, Clara, Casal, o Macizo), esta Montevideo de passeios errantes e telefones anônimos que tocam, tem algo outra vez de labirinto sem saída, de um passado perdido de antemão.

Último domicilio conocido, de Omar Prego Gadea. Montevideo: Trilce, 1990.

Ciudad de todos los vientos

Posted in Jornalismo by iurimuller on 8 de maio de 2013

381080_3698948921435_2095332390_nEsta é uma reportagem escrita há dois anos, que recupero agora. Em 2011, foi publicada na revista Fora de Pauta de Santa Maria.

Montevideo quince de noviembre
de mil novecientos cincuenta y cinco 
Montevideo era verde en mi infancia 
absolutamente verde y con tranvias

Dactilógrafo, Mario Benedetti

Entre as capitais do continente, Montevidéu pode parecer distinta, em um primeiro olhar, por certos fatores: é a capital mais ao sul da América, já que se localiza um pouco abaixo de Santiago do Chile e Buenos Aires; é banhada, em sua costa, por duas águas que se encontram e se misturam, a do Atlântico e a do Rio da Prata. Para o turista que por ali permanece poucos dias, Montevidéu é a cidade dos prédios antigos, do vento frio que sopra do Rio e, às vezes, a que se confunde com o próprio país. Aos olhos do morador, que cresceu enquanto crescia Montevideo, talvez seja uma cidade que destoe do que se pensa de uma capital latino-americana. Mas, como disse um dia o poeta e escritor argentino Jorge Luis Borges, a cor de uma cidade é mais uma invenção estrangeira, uma impressão dos que não vivem ali, do que algo pensado por seus habitantes. (more…)